terça-feira, 13 de abril de 2010

Interação Antibiótico e Álcool

                                                       foto retirada de http://www.buzzle.com/articles/does-alcohol-affect-antibiotics.html     
     
     É muito comum para o tratamento de diversas patologias em periodontia o uso de algumas classes de antibióticos, para que em conjunto com as intervenções manuais do profissional, seja atingido o melhor arsenal possível para uma específica e mais eficaz terapêutica na resolução de algumas doenças periodontais. Muitas vezes, no momento da receita de alguns medicamentos, na maior parte das vezes antibióticos, vários pacientes abordam a clássica pergunta: Posso beber (álcool) durante o uso desses antibióticos?
     Para tanto é necessário que façamos uma breve revisão de alguns pontos da farmacocinética dos antibióticos e do álcool etílico.
     As propriedades químicas de alguns tipos de antibióticos podem alterar sua absorção no organismo: por exemplo, substâncias levemente ácidas ou alcalinas e com comportamento apolar se dissolvem bem nos fluidos corporais, por já estarem em um tipo de forma chamada não ionizada. Dependendo das condições de acidez do meio em que se encontram, tais substâncias podem se transformar na forma ionizada que é pouco absorvida.
     O álcool, devido às suas características, estimula diretamente as paredes do aparelho digestório, gerando aumento da produção de ácido clorídrico e aumento do peristaltismo, podendo gerar diarréia e vômitos. Tal sequência leva a passagem mais rápida e portanto com menor absorção do medicamento pelo estômago e duodeno, onde a maior parte destas classes de antibióticos (mais usados em odontologia) é absorvida.
     Desta forma, podemos entender que a ação do álcool não precisa ocorrer diretamente sobre o princípio ativo do antibiótico e sim alteraria negativamente a sua absorção que leva a menores níveis de concentração plasmática diminuindo sua efetividade. Ainda, já foi provado que além de inibir a absorção, o álcool pode aumentar a degradação das penicilinas no estômago, por período de até 3 horas após a ingestão.
     Todavia, embora tal explanação seja coerente, existem outros motivos mais importantes sobre a interação álcool e antibióticos. Um deles é porque o álcool possui uma de suas vias de metabolização no fígado onde tal processo ocorre em duas fases, sendo a primeira a mais importante para a interação com antibióticos. É a oxidação do etanol em acetaldeído auxiliado pela enzima álcool desidrogenase. O acetaldeído em seguida se transforma em acetato através da ajuda da enzima acetaldeído desidrogenase.  Enfim, outros sistemas enzimáticos também participam destes processos, onde o etanol aumenta a indução de uma enzima chamada citocromo P450, responsável pela metabolização no fígado de vários medicamentos, incluindo alguns antibióticos. Ou seja, no mínimo haveria uma sobrecarga hepática que, se não nociiva, obrigaria a trabalho extra, com possíveis riscos à função hepática.
     As conversões descritas servem para explicar que algumas substâncias possuem grupamentos contendo nitrogênio ou enxofre em sua estrutura, e estes elementos podem inativar a enzima aldeído desidrogenase, impedindo a conversão do acetaldeído (vindo do álcool) em acetato. O acúmulo de acetaldeído gera reações muito desagradáveis (até descrita como "sensação iminente de morte"), caracterizada por palpitações, queda da pressão arterial, dor no peito, dificuldade respiratória, vermelhidão da face e pescoço, náuseas, vômitos e sudorese excessiva. A reação é mais assustadora que grave. O quadro (embora raro, mas não desprezível) é chamado de "efeito dissulfiram" que é um medicamento usado para combater abuso de álcool e sua ação se baseia na cadeia de eventos acima descrita.
     Metronidazol (principal), ampicilina e algumas cefalosporinas (cefalexina, cefadroxila e cefadrina) possuem grupamento nitrogênio em sua estrutura podendo ativar o efeito "dissulfiram". Ainda podem também reagir diretamente com o acetaldeído, diminuindo a concentração do antibiótico livre no sangue.
     Parece certo que nem todos os antibióticos interagem com bebidas alcóolicas e que os profissionais de saúde deveriam ter conhecimento disto. Mas pode-se imaginar explicar para um paciente que não entende de bioquímica, por que ele não pode tomar um remédio com álcool e outro ele pode??
     Outro risco de se ingerir álcool e antibiótico é que aquele pode promover um dano maior que o esperado no fígado, quando antibióticos como a eritromicina (o estolato) e a azitromicina que por si só já possuem alguma atividade tóxica ao fígado, são ingeridos simultaneamente. Os efeitos serão maiores para os usuários crônicos de álcool, evidentemente. Para bebedores esporádicos é possível que não haja danos maiores, embora possam surgir náuseas, vômitos e dores abdominais.
     Mais uma maneira de ocorrer a interação é que o álcool possui efeito diurético através da inibição da vasopressina, aumentando a velocidade de eliminação do antibiótico. Para que o antibiótico tenha efeito, ele deve estar com uma concentração adequada no sangue e tecido, é a chamada concentração inbitória mínima (CIM). Um aumento da velocidade de eliminação (através da diurese alterada) ou inadequações de horário da tomada do antibiótico pode deixar níveis plasmáticos menores que a CIM podendo alterar o efeito do medicamento.
     Um fato não citado geralmente mas também bastante importante é que o álcool quando consumido em maior volume pode levar a uma diminuição da inibição do paciente que passará a tomar menos cuidado com uma eventual região operada em sua boca, diminuindo seus reflexos com relação à proteção consciente de sua patologia ou ferida.
  
PS: o álcool pode interagir com outros medicamentos usados na clínica odontológica, promovendo efeitos adversos como, por exemplo, potencialização do efeito depressor do sistema nervoso central, o que ocorre quando associado aos benzodiazepínicos ou aumento do tempo de sangramento e da incidência de lesão de mucosa gástrica, quando associado à aspirina e certos antiinflamatórios. Portanto, a melhor conduta, mesmo sabendo das diversas variáveis de interações ou não de medicamentos e álcool, ideal é orientar o paciente a não consumir o álcool durante o tratamento com qualquer medicamento.

Referências: Andrade, Terapêutica Medicamentosa em Odontologia, Goodman & Gilmann e Neidle & Yagiela.
 

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